O mundo todo, de repente, parou e uma nova pandemia, a Covid-19, tem vindo a assustar e a desafiar todos de uma forma sem precedentes, paralisando todos os sectores (desde a saúde até à economia), fechando fronteiras, derrubando bolsas, cancelando eventos e elevando o receio de uma recessão global.
A obesidade na era da Covid-19
Esta pandemia – Covid-19 – torna-se especialmente grave para pacientes que apresentam uma variedade de outras doenças crónicas, diretamente relacionadas com a obesidade. Ou seja, uma nova pandemia, com potencial de se agravar em pacientes que sofrem de uma outra pandemia mais antiga, crónica, multifatorial e insidiosa, que é a obesidade, a qual causa uma série de morbidades e mortalidade em todos os países do mundo.
Associação entre a obesidade e a gravidade da Covid-19
Existe cada vez mais evidência de que a obesidade será um dos maiores fatores de risco de Covid-19 grave, particularmente entre as pessoas jovens. Assim, a obesidade nas pessoas com menos de 60 anos parece ser um fator de risco, previamente não reconhecido para admissão hospitalar e necessidade de cuidados intensivos.
Um estudo francês [1] de uma unidade de cuidados intensivos, em Lille, revelou que os pacientes com obesidade grau II [Índice de Massa Corporal (IMC) >35 kg/m2] apresentaram um risco de ter necessidade de ventilação mecânica mais de sete vezes superior [odds ratio (OR) de 7,3] àqueles que têm peso normal (IMC <25), mesmo após ter sido ajustado para a idade dos doentes e para a presença de diabetes e/ou hipertensão.
Já nos Estados Unidos da América, alguns estudos parecem mostrar que a obesidade nas pessoas com menos de 60 anos duplica o risco de admissão hospitalar. Um estudo de Nova York [2] mostrou que dos 3615 indivíduos que testaram positivo para Covid-19, 21% tinham obesidade grau I (IMC 30 a 35) e 16% tinham obesidade grau II e III (IMC ≥ 35). Nos casos dos pacientes com menos de 60 anos, os que apresentavam obesidade grau I tiveram o dobro da probabilidade de serem internados no hospital [hazard ratio (HR) de 2,0) e nos cuidados intensivos (HR de 1,8), em comparação com os doentes sem obesidade. Da mesma forma, os indivíduos com menos de 60 anos, e com obesidade grau II e III (IMC ≥ 35), tiveram o risco aumentado em 2,2 e 3,6 vezes de serem admitidos para tratamento agudo e intensivo, em cada um dos casos. Outro estudo norte-americano [3], que avaliou 4130 pacientes com Covid-19, mostrou que, além da idade, os preditores de hospitalização mais fortes foram a obesidade mórbida ou grau III (IMC > 40), com um aumento de 6 vezes na probabilidade de necessidade de internamento (OR de 6,2), assim como a insuficiência cardíaca (OR de 4,3). Os autores concluíram que a doença crónica com maior associação ao risco de hospitalização foi a obesidade, com uma probabilidade substancialmente maior do que a de qualquer doença cardiovascular ou pulmonar.
Um estudo recentemente publicado (22 de Abril), numa revista médica conceituada (Journal of the American Medical Association, JAMA), avaliou 5700 pacientes hospitalizados com Covid-19, em Nova Iorque [4]. O estudo, que representa a maior coorte de pacientes hospitalizados com Covid-19 nos Estados Unidos até agora, confirmou que os grupos de maior risco são os mais velhos, os homens e aqueles com hipertensão, diabetes ou obesidade preexistentes. As comorbidades mais comuns entre todos os 5700 pacientes foram a hipertensão (57%), a obesidade (41%) e a diabetes (34%). Como já foi observado em séries diferentes de pacientes, o sexo masculino e o aumento da idade foram associados a um maior risco de morte.
Em suma, a obesidade nas pessoas com menos de 60 anos é um novo fator de risco epidemiológico que pode contribuir para aumentar as taxas de mortalidade por Covid-19.
Por que motivo ocorre esta associação?
Os pacientes obesos parecem ser mais vulneráveis a sofrer complicações graves da Covid-19, devido a uma série de agentes, como o risco de outras doenças crónicas secundárias ao excesso de peso, como é o caso de alguns tipos de cancro, diabetes tipo 2, hipertensão arterial, doença coronária e acidente vascular cerebral (AVC).
Além disso, a obesidade pode acarretar patologias de natureza mecânica, como apneia obstrutiva do sono e complicações respiratórias restritivas, devido à compressão do abdómen sobre o diafragma, impedindo uma completa expansibilidade pulmonar. Estas alterações podem ter implicações na ventilação mecânica, podendo dificultar substancialmente o tratamento de obesos com Covid-19 nas unidades de cuidados intensivos. O suporte ventilatório eficaz é, sem dúvida, um dos principais pilares do tratamento destes pacientes.
A inflamação e o sistema imune serão os culpados?
A obesidade é caraterizada por uma diminuição da resposta imunológica e por uma inflamação crónica de baixo grau. Deste modo, a obesidade é atualmente reconhecida como sendo uma doença pró-inflamatória. Assim, um dos eventuais responsáveis por trás do aumento do risco de gravidade da doença observado com a obesidade na Covid-19 poderá ser a inflamação, mediada por depósitos de fibrina na circulação, e que bloqueia a passagem de oxigénio pelo sangue. Isso pode ajudar a explicar por que motivo a ventilação mecânica tem menos sucesso nesses pacientes.
Por outro lado, o sistema imunológico, que é um elemento chave na patogénese da Covid-19, também desempenha um papel importante na inflamação do tecido adiposo induzida pela obesidade. Como em estudos prévios a obesidade demonstrou aumentar a vulnerabilidade às infeções, poderá ser também um fator de risco para mortalidade relacionada com a Covid-19. A síndrome metabólica vai também comprometer o sistema imunitário, reduzindo a capacidade do organismo para combater a infeção, afetando o processo de cura e prolongando a recuperação.
E os doentes já submetidos a cirurgia obesidade estão em risco na Covid-19?
Que seja do nosso conhecimento, não existem estudos, até à data, que associem um aumento dos riscos da Covid-19 à realização prévia de cirurgia de obesidade. Antes pelo contrário, as pessoas que foram submetidas a cirurgia de obesidade têm um menor risco na Covid-19. Pois, pelos argumentos previamente apresentados (a associação da obesidade à gravidade da Covid-19), com a resolução da obesidade e das suas comorbilidades associadas, após a cirurgia bariátrica e metabólica, os pacientes apresentam menos fatores de risco para a Covid-19. Estão mais saudáveis, logo mais seguros nesta era do Covid-19.