Neste contexto, a válvula mitral é estruturalmente normal e a insuficiência aparece por dilatação e deformação do ventrículo esquerdo. Os doentes com este tipo de patologia representam um desafio significativo – tem normalmente uma idade mais avançada, múltiplas patologias associadas, sintomas de insuficiência cardíaca mais graves apesar da medicação e, portanto, um prognóstico desfavorável.
O tratamento cirúrgico da insuficiência mitral funcional foi objeto de múltiplos estudos – apesar de eficaz em tratar a patologia valvular, não foi possível demonstrar impacto no prognóstico destes doentes.
Evidência clínica
Relativamente ao tratamento menos invasivo com Mitraclip, a evidência até há poucas semanas atrás provinha essencialmente de registos observacionais, que, numa população do “mundo real”, mostravam a segurança do tratamento percutâneo da insuficiência mitral e a eficácia em termos de redução da regurgitação mitral e de melhoria dos sintomas de insuficiência cardíaca.
Nas últimas semanas, no entanto, foram publicados dois importantes ensaios neste contexto: o MITRA-FR e o COAPT.
Estes estudos tinham um desenho semelhante, que visava a avaliar o impacto do Mitraclip em doentes com insuficiência cardíaca, insuficiência mitral severa e já tratados com o que é considerado o standard em termos de medicação.
Os resultados foram aparentemente discordantes: no MITRA-FR a avaliação a 1 ano não mostrou benefício adicional do Mitraclip em termos de mortalidade e novos internamentos por insuficiência cardíaca; pelo contrário no COAPT a avaliação a 2 anos mostrou um benefício muito significativo em termos de redução no numero de hospitalizações por insuficiência cardíaca e também uma diferença significativa na mortalidade a favor dos doentes tratados com Mitraclip.
Contudo, uma análise mais aprofundada dos ensaios permite de perceber melhor o porquê destes resultados: o MITRA-FR incluiu doentes numa fase mais avançada da doença, com uma dilatação muito maior do ventrículo esquerdo; nestes doentes provavelmente já era demasiado tarde para obter um benefício clínico com a redução da insuficiência mitral. Além disso, os resultados do procedimento, em termos de complicações e de eficácia na redução de regurgitação mitral, foram aquém das expectativas, refletindo alguma inexperiência dos operadores.
No COAPT, pelo contrário, foram incluídos doente numa fase mais precoce de evolução da doença, com resultados consistentemente positivos em termos de mortalidade, novos internamentos, melhoria dos sintomas de insuficiência cardíaca, entre outros.